Sou a segunda filha de três irmãos. Não fui a primogênita, não fui menino, enfim, não fui novidade ao nascer. Também não fui a primeira a ir à escola. Via minha irmã mais velha sair de uniforme e maleta e desejava do fundo do coração essa autonomia: sair de casa para aprender por mim mesma. Lembro dos pedidos insistentes nas pernas de minha mãe para ser matriculada. Eu tinha apenas quatro anos. Enfim chegou a minha vez e foi com grande prazer que recebi meu material, conheci minha professora e assumi uma posição na sociedade: estudante.
Com grande ansiedade aguardei o dia em que receberia a cartilha de alfabetização Caminho Suave das mãos da Tia Helena. A glória da independência ao meu alcance. Sem dúvida eu adorava ouvir as histórias de minha mãe. Eu apenas ambicionava tê-las quando quisesse. Com grande estímulo, eu devorava as páginas ilustradas do bê-a-bá. Eu me saciava de uma língua instigante e provocante nas páginas das estantes. Empossava-me de uma nova posição social: leitora.
Começamos a frequentar mais bibliotecas. Lotadas prateleiras coloridas. Tantas opções. Muitas opções. Monteiro Lobato. O rei Babar. As aventuras de Tintin. A ilha perdida. Perdida ficava eu entre tantos corredores. Desolada por emprestar meros quatro livros de cada vez. A professora Dora apresentou a gramática normativa. Enquanto os colegas se queixavam, eu sentia prazer nas conjuções coordenativas e advérbios. Assumi um novo status: nerd.
Minha satisfação não estava somente na língua em si, mas em saber que, se fosse boa naquilo, teria a aprovação de minha mãe. Ela, que saira do campo e chegara a cursar medicina, tinha uma liguagem fecunda e provocante. Eu recebia sua aprovação a cada redação como a validação do meu existir. Eu, que nunca fora cativante, fui selecionada para o livro de redações da escola. A glória. O desafio. O mundo. Eu podia explorar o mundo das palavras. E podia construí-lo eu mesma. Com palavras. Enfim deparei-me com a condição para a qual nasci: escritora.
[por Daniela Urquidi, maio de 2011]
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